Mecânica do incentivo
A Lei de Incentivo ao Esporte prevê a possibilidade de pessoas físicas e jurídicas destinarem uma parcela do imposto de renda devido em benefício de projetos desportivos elaborados por entidades do setor, após aprovados por uma Comissão Técnica composta por representantes governamentais e membros do setor desportivo e paradesportivo. Configura-se assim como uma forma alternativa de recolhimento do imposto de renda (IR), ou seja, ao invés de recolher todo o montante devido pelas vias tradicionais, os contribuintes poderão destinar um percentual deste valor (Empresa = 1% e Pessoa Física = 6%) “diretamente” em benefício de projetos desportivos previamente aprovados, por uma das formas prevista em Lei (patrocínio ou doação), e, em seguida, abater os valores gastos no momento do recolhimento/ajuste, ou, em sendo o caso, obter sua restituição; servindo como mais uma estratégia (política pública) para o desenvolvimento do esporte brasileiro.
Estando o Ministério do Esporte encarregado de operacionalizar e controlar o acesso aos recursos, cuidou em editar Portarias dispondo sobre a tramitação e avaliação dos projetos, bem como a captação, o acompanhamento e a prestação de contas daqueles devidamente aprovados. Assim, em que pese a Lei nº 11.438 ter sido promulgada em 29/12/06 e regulamentada pelo Dec. 6.180 em 03/08/07, somente depois da publicação da Portaria nº 177, em 11/09/07, foi possível efetivamente encaminhar projetos desportivos em busca do benefício. Desde então, foram apresentados mais de 3.000 (três mil) projetos ao Ministério do Esporte. O número expressivo de protocolos revela não apenas o anseio da comunidade esportiva pela viabilização de recursos financeiros ao setor, mas, analisado em profundidade, traz indicadores importantes sobre a funcionalidade do incentivo ao esporte.
Como se vê na ilustração, cabe exclusivamente às entidades desportivas (sem fins lucrativos, do setor público e privado), o encaminhamento de projetos ao Governo Federal (Ministério do Esporte), ou seja, o benefício está limitado, basicamente, em favor de clubes sociais esportivos, ligas, federações, confederações e demais organizações de administração esportiva, bem como para ONGs sociais esportivas, governos estaduais e municipais (Secretarias de Esporte). Neste sentido, para correta solicitação dos recursos é fundamental que seus dirigentes conheçam em detalhes a legislação de regência e sua regulamentação, de modo a elaborar projetos dentro dos estritos termos de técnica e procedimento exigidos. E aqui, temos um indicativo de dificuldade por parte dos proponentes, refletidos nos dados que seguem.
Projetos apresentados X aprovados no período de 2007 a 2009*
*Dados obtidos em material de divulgação do Ministério do Esporte e no site www.esporte.gov.br, em 24/06/2010.
Qualidade dos projetos desportivos
Evidencia-se por esses números a grande dificuldade que vem sendo enfrentada pelos proponentes na correta formatação dos projetos desportivos. Em 2007, apenas 21 (3,3%) dos 635 projetos apresentados conseguiram êxito de aprovação, lembrando que o protocolo foi iniciado apenas em 11 de setembro. Já durante todo o ano de 2008, foi mantido praticamente o mesmo número de projetos protocolados (666), porém, com aumento de aprovação para o volume de 28,8% (192 projetos). Por sua vez, em 2009, houve uma explosão de protocolos, quase triplicando o volume do ano anterior, ao alcançar 1.692 projetos apresentados, porém, o índice de aprovação neste ano ficou em 19,1% (323 projetos), em que pese, evidentemente, a possibilidade de projetos serem aprovados em anos posteriores ao protocolo.
De todo o modo, no aspecto geral do período analisado (2007 a 2009), resta claro que a viabilidade dos projetos apresentados (2.993) está muito aquém do exigido, visto que apenas 17,9% (536 projetos) alcançaram êxito de aprovação. Isso aponta, em princípio, para a ampla necessidade de capacitação de gestores desportivos, para que tenham condições de conceber projetos com o nível de detalhamento esperado. E nesse ponto, chamamos atenção para um fato muito importante, que era – até então – praticamente a inexistência de fontes de financiamento público para o setor, e do direcionamento de verbas privadas para o esporte de alto rendimento (sob controle de agências de marketing esportivo) e, algumas poucas vezes, para alavancar ações de responsabilidade social da empresa. Portanto, o cenário anterior à vigência da Lei nº 11.438/06, apontava para a “desnecessidade de planejar” (elaborar projetos), principalmente ações de médio e longo prazo, pois não havia expectativa de captação de recursos para torná-los realidade, em especial os de caráter local e voltados para o desporto educacional e de inclusão social. Assim sendo, conclui-se que as entidades desportivas se acostumaram a planejar apenas no curto prazo, buscando soluções para questões presentes.
Já a realidade de planejamento da Lei de Incentivo ao Esporte é inversamente contrária, pois demanda a propositura de ações dimensionadas em uma perspectiva futura de médio-longo prazo quanto ao início de execução, ou seja, dependente da superação de fases que vão da concepção detalhada do projeto e sua metodologia de execução, inclusive relativa ao levantamento de orçamento pormenorizado, seguido da organização dos documentos, protocolo, tramitação, eventuais diligências, aprovação, período de captação, formalização do compromisso de execução para, finalmente, ter acesso aos recursos.
Volume de captação para projetos aprovados
Um segundo ponto que merece destaque relaciona-se à efetiva captação de recursos para os projetos aprovados pelo Ministério do Esporte. Neste sentido, vejamos os números:
Aqui se verifica um segundo aspecto importante nas relações necessárias para tornar efetivo o incentivo ao esporte. Isto é, se em um primeiro momento é preciso que a entidade proponente tenha a competência de formatar e instruir adequadamente o projeto desportivo para obtenção da chancela autorizadora de captação precisará, em seguida, convencer contribuintes (pessoas físicas e jurídicas) a efetivamente realizarem fruições em seu favor. Neste sentido, os dados demonstram que, superada a fase de aprovação, o sucesso na captação tem sido relativamente positivo, já que, em 2007, 80,9% dos projetos conseguiram recursos, representando mais de 50 milhões de reais para o setor, com avanço em 2008 para a casa dos 82 milhões, por meio de 102 projetos (53,1% dos aprovados naquele período) e culminando no ano seguinte em quase 111 milhões, através de 66,8% dos projetos autorizados para o exercício.
Esses números totalizam valores expressivos, afinal, são mais de 243 milhões de reais destinados a 335 projetos, dentre 536 aprovados, no período de 2007 a 2009. Não obstante, a cada mês e a cada ano, serão mais e mais os projetos aprovados e os recursos carreados, pelo que, ficar fora desta ciranda financeira positiva em favor do esporte brasileiro não parece medida acertada. Reclamar da burocracia e das dificuldades de acesso aos contribuintes, com o tempo, soará mais como desculpa para a falta de ânimo ou o despreparado em lidar com a nova realidade de financiamento público do desporto brasileiro, bem mais amplo, democrático e universal do que em qualquer outra época.
Por: José Ricardo Rezende, advogado especialista em Direito Desportivo,
autor do livro Manual Completo da Lei de Incentivo ao Esporte
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