Rinus Michels, revolucionário técnico holandês na Copa
de 1974, deve ter ficado arrepiado ao ver as seleções brasileiras de 1958, 1962
e 1970. Suas ideias sonhadoras, com novos conceitos, foram assimiladas e
aprimoradas por Cruyff, uma das maiores inteligências coletivas do futebol. O
craque e treinador holandês criou variações e transmitiu esses conhecimentos ao
Barcelona, que foram modificados por Guardiola e pela seleção espanhola. Todo
esse saber evolutivo, associado ao recente pragmatismo criativo do técnico José
Mourinho, se espalhou por toda a Europa.
Os principais times europeus, além de contratarem os
melhores jogadores do mundo, priorizam, cada vez mais, o jogo coletivo, a troca
de passes, que começa com os zagueiros, a diminuição dos espaços entre os
setores, a alternância entre a marcação por pressão e a mais recuada, para
contra-atacar, as múltiplas funções de um jogador e vários outros detalhes. É o
futebol do presente e do futuro.
O futebol brasileiro, por prepotência, ao achar que só
aqui tinha craques e se jogava em alto nível, involuiu coletivamente. Pior, o
atual estilo de jogar dificulta o aparecimento de grandes talentos. Temos
muitos bons jogadores, mas apenas um fora de série, Neymar.
Muitos outros fatores contribuíram para essa queda,
como os gramados ruins, a promiscuidade e a ineficiência dos dirigentes de
clubes, de federações e da CBF, e a pressão aos técnicos e jogadores para
ganhar de qualquer jeito, consequência da violência na sociedade, na
arquibancada e no gramado.
Como já tinha escrito, ficou mais evidente, após a
entrevista coletiva para anunciar a comissão técnica, que teremos uma época de
exacerbação do nacionalismo.
Só faltou Zagallo. Na entrevista, houve também uma
exaltação das conquistas de 1994 e 2002, motivo principal, alegado pela CBF,
para chamar Parreira e Felipão. A comissão técnica será quase a mesma de 2002.
Os conceitos devem também ser os mesmos.
Muitas pessoas, em todas as atividades, acham que o
que deu certo tem de ser repetido, como se houvesse apenas um jeito de ganhar.
Esquecem também que há coisas erradas nas vitórias e acertos nas derrotas.
Existe um grande número de fatores envolvidos nos resultados, ainda mais quando
se tem craques, como Romário, Ronaldo, Rivaldo e Ronaldinho Gaúcho.
São indiscutíveis os méritos de Felipão e Parreira nas
conquistas das Copas de 1994 e 2002.
Por outro lado, o assunto me faz lembrar de alguns
médicos que justificavam suas condutas pelas experiências anteriores, que
tinham dado certo, contrariando a evolução e as publicações científicas.
Achavam que a experiência pessoal estava na frente do conhecimento e da
ciência. É a onipotência da soberba.
Por: Tostão, médico e ex-jogador, é um dos heróis da conquista da Copa do Mundo de 1970. Afastou-se dos campos devido ao agravamento de um problema de deslocamento da retina. Como comentarista esportivo, colaborou com a TV Bandeirantes e com a ESPN Brasil. Escreve às quartas e domingos na versão impressa de "Esporte". Publicado originalmente na Folha, 02/12/2012.
Nenhum comentário:
Postar um comentário